terça-feira, 6 de outubro de 2009

Os olhos mostram as verdades do coração


Lá está ele, em mais um fim de noite de domingo qualquer, largado no sofá, buscando entender mais um filme que se propõe a assistir na televisão, que já está pela metade.
Ao fitá-lo por alguns minutos, vendo um sorriso esboçado em seu rosto, deduzo : há uma espécie de lei ao contrário, ao contrário do mundo ! “É preciso não levar vantagem em nada”. A vantagem é para os espertos . E a esperteza não é lá muito louvável. Ele sempre deixou claro que há um jeito certo de sair pelo mundo, seja qual for o caminho e a distância. Essa coisa estranha e meio em desuso chamada honestidade.
Ele se irrita com o noticiário, com a desonestidade pública, oficializada e impune. Mas não deixa de acompanhar o noticiário, mesmo quando decreta a sua desesperança. Tudo isso envereda pelo campo da generosidade, essa generosidade que acolhe os escolhidos pelos filhos e todas as cabeçadas que a gente anda dando por aí e que nunca foram julgadas e condenadas, a generosidade das comidas que ele vai comprar segundo o gosto de cada um, da conta de restaurante que ele vai pagar as escondidas, antes que a gente perceba, a generosidade do dinheiro que ele empresta e os pagamentos que ele depois não aceita receber.
Lá está ele, em mais um fim de noite de um domingo qualquer, largado no sofá, enquanto a noite cai. Todo preocupado em construir algo para seus filhos e para a sua esposa , com quem é casado há mais de 25 anos.
É gentil com ela. Gentil conosco. Gentil com as pessoas por aí, na rua , e até com quem não merece gentileza. Gentil com o noticiário que o decepciona dia após dia e ao qual ele continua concedendo sua atenção. Gentil com um mundo que tem arestas duras e um status quo de injustiça, inóspito para os mais velhos, para os bichos, para os justos – inóspito, ponto !
Gentileza gera gentileza como quis o poeta ?
Generosidade gera generosidade ?
Honestidade gera honestidade ?
Lá está ele, largado no sofá, no fim da noite. Todas essas coisas que ele sempre foi, veementemente, são um pouco daquilo que espero do resto do mundo, ingênua ou não. Não me dou com os espertinhos. Não suporto levar vantagem. Tenho medo da ambição que corrompe amizades e da indelicadeza que corrói amores.
De tempos em tempos a gente desaba nas encruzilhadas, porque como eu e os filhos dele às vezes comentamos, as pessoas não são como ele e temos o péssimo hábito de achar que são.
O desvio dessa norma me leva às lágrimas, as decepções são horríveis, o fim do mundo parece bem próximo. Mas continuo confiando nas relações humanas. Continuo acompanhando o noticiário, como ele me ensinou a fazer.