terça-feira, 27 de abril de 2010

O passado que não passou




A vida muda de fases, como num video-game, só que bem mais devagar e com muito mais desafios e, principalmente nas mudanças de cada fase, eu me remeto a fatos de minha história, na tentativa de encontrar algumas respostas, mas esse movimento tão intenso nem sempre tem um final bacana.


Do nascimento até cerca de 5 anos, praticamente não tenho memórias e não me lembro de grandes crises, mas em todas as fases que se seguiram, as crises vieram e a lista de perguntas cresceu rapidamente e a pequena lista de respostas até hoje não conseguiu alcançar a primeira.

Mas tenho que ser justa, apesar de momentos nada agradáveis marcando a minha história, não posso reclamar, pois o balanço foi - na verdade está sendo - positivo.


A parte triste de tudo isso não é a pequena coleção de tristezas, perdas e desilusões, mas é buscar respostas em uma história que sinto muito mal construída. Há uma lacuna imensa no meu passado que, lamentavelmente, não vejo possibilidade de deletar ou de reconstruir, completar, mudar. Vivi 12 maravilhosos anos com a minha mãe, morta por uma doença renal crônica, que me ensinou nesse período tudo que eu precisava saber pra ser a mulher que sou hoje. Hoje tento construir uma outra parte da minha vida, agora do nosso jeito. Pois é, minha escura lacuna tem mais de 15 anos. Claro que muitas outras pessoas especiais fazem parte da minha história e foram mais que importantes, foram determinantes, essenciais! E esse time é de primeira com familiares e amigos (alguns que nem imaginam o quanto são importantes).


Tá, mas o que eu quero dizer com esse texto? Quero dizer que quero ter filhos e, com eles, escrever a história de maneira diferente. Eu não sei se minha mãe teve vontades quando grávida, se a minha irmã ou eu chorávamos muito ou tínhamos cólicas. Não sei que estratégia nossos pais tinham para que dormíssemos, não sei o que falamos primeiro, do que gostávamos, o que não comíamos. Não sei qual era meu brinquedo preferido, se cantamos alguma música quando pequenas, se fizemos algo que mereceu um severo castigo.


Triste né? Também acho! Mas minha constatação foi além. Não sei qual foi o dia mais importante na vida do meu pai, não sei a cor preferida dele, não sei o que entristece seu coração hoje, não sei a música que já o fez chorar, não sei nem se ele gosta de futebol. Não sei o sabor preferido do sorvete, não sei se ainda toca violão ou se conserva os amigos que conheci quando pequena. Não sei qual foi o primeiro carro dele, como foi o primeiro porre, o primeiro beijo, se já ficou de castigo, se tem algo que ele não come. Não sei o que em mim o incomoda e nem se ele se vê em mim nem que seja pela cor dos olhos. Jà disse a ele que o amo muitas vezes, mas também não sei se ele entende o que isso quer dizer.


E antes que você me pergunte por que eu não faço essas perguntas ao meu pai, eu me antecipo afirmando que muitas delas nem ele saberia responder.


Quero uma família cheia de histórias pra contar.

Quero que meus filhos se identifiquem com seus pais.

Quero dar a eles algumas simples alegrias que eu não pude ter...talvez eles não as reconheçam de imediato, mas no decorrer das fases da vida, o olhar será diferente.


Não quero enaltecer minha mãe e/ou desmerecer meu pai e também não quero que você o faça. Minha intenção é fazer com que você reflita sobre as suas fases para que também possa construir uma história - de preferência sem lacunas (ou com poucas)! Talvez não será a mais bonita, mas pode ser a que faça seus filhos vibrarem. Pense nisso...